Este conteúdo faz parte da entrevista com o jornalista espanhol Lluís Cucarella, diretor do Observatorio para la Transformación del Periodismo Local e diretor editorial do site Laboratorio de Periodismo, da Fundación Luca de Tena. Acompanhe outros tópicos desta entrevista.


Orbis Media Review – Quando fala em “conquistar a atenção do leitor”, no dossiê Desafios Editoriais da Imprensa Local no Mundo Pós-Coronavírus (pdf, em espanhol) , você menciona a “criação do hábito” [do consumo de notícia]. De que forma o jornalista – enquanto indivíduo e profissional – pode contribuir com a criação deste hábito entre uma população que já não tem o mesmo nível de atenção aos veículos (ou nunca o teve)? Você acredita que a produção de conteúdo seja suficiente para alcançar este objetivo?

Lluís Cucarella – Já há algum tempo avançamos em direção a um modelo de negócio em que o principal aspecto seja a receita procedente do leitor, predominantemente num modelo de assinaturas, mas não limitado a ele.

A maioria dos estudos realizados aponta para uma mesma direção: para que estes modelos de pagamento funcionem, é necessário que alguns KPIs de lealdade sejam altos. Por exemplo, o número de vezes que um leitor entra no site de um jornal por semana, o tempo de permanência, a conexão com a marca através de diferentes plataformas em diversos momentos do dia, etc.

Se temos sete milhões de leitores mensais, mas 99% deles são usuários novos a cada mês, que não voltam no mês seguinte, dificilmente teremos sucesso num modelo de assinaturas.

Mais do que uma estratégia, se trata de uma necessidade. Se não conseguimos gerar uma rotina diária nos leitores, algo que se torne um hábito, os veículos ficam expostos à própria sorte, a que alguém encontre uma notícia deles nas redes sociais e que este alguém visite o site.

No caso dos veículos locais, essa necessidade [de criação de hábito de consumo de notícias] se multiplica porque, num contexto de disputa pela atenção do leitor, se o veículo for incapaz de gerar uma certa visão de mundo que satisfaça as necessidades informativas do leitor (e isso inclui primordialmente a informação local, mas também certo contexto geral), o veículo vai ficando em segundo plano. É como aquele jornal que, se eu já li seu concorrente, só darei uma olhada por cima.

Um jornal local deve mostrar casos próximos e recentes de contágio por covid-19, além de retratar o que diz a comunidade científica ou se limitar a publicar apenas o número de infectados da região?
E se acontece um atentado em outra zona do país, ele não deve noticiar? Se for assim – e desse jeito têm funcionado muitos veículos locais – ele nunca será líder de mercado, aquele que o leitor acessa todos os dias e, somente se sobra tempo, visita outros. Desse jeito nunca seremos o ponto de partida para o usuário informar-se.

Outro dia o diretor do Olé, da Argentina, exemplificava perfeitamente esta situação. Ele se perguntava se, quando um escritor argentino morre, eles precisam esperar que algum atleta faça referência ao fato para então justificar a publicação do acontecimento na publicação esportiva que são. A  mesma coisa acontece com o jornalismo local.

Para conhecer o leitor

Como um jornalista pode criar o hábito de consumo de notícia entre seus leitores? Em primeiro lugar, conhecendo bem este leitor. Parece algo simplista, mas não é. E essa tarefa fica, em grande parte, com os editores. Se eles têm recursos para conhecer este leitor, devem preparar suas equipes; se eles não têm os recursos, ao menos devem criar uma cultura na redação que avance nesta direção, com as ferramentas que permitam conhecer este usuário, ainda que seja a partir de métricas muito básicas. De alguma forma é preciso começar.

O primeiro passo para tomar conhecimento do leitor é saber quais hábitos ele e a comunidade a quem nos dirigimos já têm. Podemos fazer isso de forma direta ou indireta. Muitos jornais conseguiram resultados extraordinários sem a necessidade de investimentos altos, mas com enquetes simples, físicas ou virtuais. Alguns destes veículos, inclusive, convocaram seus leitores para um evento e debateram com eles sobre como são suas rotinas e para que necessitam das informações daquele jornal. Investigamos, sobretudo, hobbies, hábitos e rotinas que já existam, preocupações, desejos etc. Podemos optar por enquetes, análises de dados de navegação, testes A/B, formulários de cadastro onde os leitores informam seus códigos postais e então podemos fazer um acompanhamento de pautas e consumo informativo desde o nosso veículo, por bairros ou regiões.

Uma vez que temos os dados compilados, com todos os detalhes possíveis, saberemos quais produtos e serviços devemos criar para aproveitarmos os hábitos que já estão preestabelecidos e em quais podemos ser não apenas uma fonte de referência, mas o veículo que conecte estas pessoas umas com as outras e que o jornal seja o centro da atenção.

Outra coisa são os hábitos gerados após uma mudança social ou pessoal. Para além dos hábitos já criados, como jornalistas devemos ser capazes de saber – antes que outros profissionais – quando estamos diante de um disparador, de uma mudança social que vá modificar alguns hábitos da população e criar produtos e serviços em torno dele.

Se somos capazes de criar produtos ou serviços que atendam este novo hábito que está sendo disparado, então estamos na estratégia certa. A covid-19, apesar de ter tido uma magnitude inédita para todos, provocou uma mudança de hábitos que irão perdurar. Muitos veículos já estão criando verticais que apontam diretamente ao centro destes novos hábitos. Isso, numa pequena escala, acontece de modo frequente diante de episódios não tão relevantes como a covid-19.

É preciso criar um sistema que nos permita estar alertas, baseado em dados, ainda que isso não substitua a experiência e o trabalho do jornalista que tem responsabilidade não apenas na materialização dos novos produtos e serviços, como também em sua composição e concepção.

Hábitos, conteúdo e fidelidade

Às vezes, a forma de conectar um veículo a um leitor mediante um hábito já estabelecido também pode estar no conteúdo. Há muita gente que, enquanto toma café antes de ir ao trabalho, olha o celular para ver o que aconteceu pelo mundo; após o trabalho, corre para casa e à noite, antes de se deitar, volta a ter interesse pelas últimas notícias do dia, mas em um contexto de escassez de tempo.

Se somos capazes de ter produtos como uma newsletter matinal, com o que há de mais relevante de forma hierarquizada, concisa e útil sobre o trânsito da cidade, previsão do tempo etc, se podemos oferecer uma porção de podcasts sobre temas de lazer que interessam à maior parte dos nossos leitores e fazemos isso com qualidade, temos todas as condições para fidelizar este leitor graças ao fato de conhecermos sua rotina.

Além disso, existem os hábitos que, como veículo de comunicação, podemos criar. Talvez sejam os casos mais complexos, mas também são aqueles que dão os melhores resultados. Podemos criar um novo vertical ou uma série de reportagens que analise um caso concreto e sugerir o material àqueles leitores que acompanham tais temas, que assinem os alertas ou a newsletter que acompanhará este novo produto. Se for algo bem feito, com o tempo também criamos o hábito no leitor.

É preciso levar em conta dois pontos finais: um jornal não pode ser formado apenas por um aglomerado de notícias e serviços que respondam aos hábitos dos leitores. Pode parecer uma contradição a respeito do que vinha falando até agora, mas não é. Um jornal, como eu dizia, deve ser um guia, deve oferecer uma visão de mundo, ser uma referência. Em muitas ocasiões, a informação que não atende diretamente o leitor é pura commodity, algo com nível muito baixo de diferenciação. Mas se conseguirmos fazer com que esta informação esteja vinculada a três produtos ou serviços nossos, duas vezes por dia ou cinco vezes na semana, vai criando-se o hábito. Finalmente, este leitor vai escolher o nosso veículo também para consumir as outras notícias e descobrirá o espírito do nosso editorial, nossa personalidade, os valores da publicação e criará um hábito global ao redor do nosso jornal.

O outro ponto que se deve considerar é que os hábitos não são construídos do dia para a noite. Frequentemente os jornais caem na impaciência. Se temos feito bem o trabalho de análise prévia e um bom desenho do novo produto ou serviço, uma boa execução e uma boa campanha de promoção, esperemos um pouco. Apostemos no produto. Vai ser necessário repetir, ajustar, modificar o produto, mas sem nos desesperarmos porque os números iniciais são baixos e, por esta razão, desistimos. Nunca saberemos se o produto não funcionou porque estávamos equivocados ou porque nossa aposta foi tímida e, além disso, de curto prazo.


Acompanhe outros tópicos desta entrevista com Lluís Cucarella.

Ana Brambilla
Autor

Jornalista, Doutora em Comunicação Social. Editora Orbis Media Review. Professora e Pesquisadora do Master Negócios de Mídia.

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