Obter resultados financeiros consistentes produzindo conteúdo noticioso continua sendo um desafio notável para inúmeras empresas de mídia. Os problemas apontados são inúmeros e bem conhecidos: as preferências dos consumidores mudaram, o formato do conteúdo jornalístico não tem mais um grande apelo, estamos perdendo a luta pela atenção para a indústria do entretenimento…

Todos são pontos válidos que, por vezes, geram uma dúvida ainda mais dramática: será que o jornalismo se tornou obsoleto?

Antes de responder essa pergunta, é interessante pensar de onde vem o valor de um determinado produto, já que boa parte do nosso drama deriva disto. Para entender este ponto, proponho olhar para outros mercados que têm muito a ensinar, permitindo uma análise sobre nossa própria situação e para onde podemos ir.

 

Um problema de precificação

Qualquer empresa ou negócio lutará para aumentar a margem de lucro do seu produto. Se esta margem for muito baixa, afinal, talvez nem seja interessante produzi-lo. Neste sentido, os negócios de varejo não se encontram em uma situação muito legal, e o motivo é bem claro: não é possível vender um microondas, uma televisão ou um jogo de panelas por um preço muito mais alto que aquele adquirido pela própria loja, pois o que não falta aos consumidores são opções. Assim, se a empresa X tem o impulso de vender um microondas por duas vezes o seu valor de mercado, a consequência é que ela simplesmente ficará sem clientes, que passarão a comprar na loja Y ou Z por um preço muito mais adequado.

Sem ter, portanto, margem para aumentar o preço dos produtos vendidos, resta às empresas de varejo reduzir seus custos e aumentar sua eficiência para poder vender a preços mais baixos.

Nem todos os outros setores do mercado vivem a mesma situação. A Apple certamente não pode aumentar o preço de seus produtos indefinidamente sem arriscar perder clientes, mas ela – bem como qualquer outra empresa de tecnologia – consegue ter considerável autonomia para definir o quanto eles valem. Uma nova linha de smartphones mais finos, elegantes, com melhor bateria ou uma tela dobrável. Tudo isso são diferenciais sobre a concorrência – e diferenciais que influenciam no quanto uma empresa consegue cobrar por eles.

Quando olhamos para cada mercado separadamente, portanto, vemos duas situações diferentes: uma empresa que revende produtos costuma ter pouca flexibilidade para definir seus preços porque o mercado está saturado de itens iguais ou muito semelhantes. Já uma empresa de tecnologia – e de muitos outros setores – não encontra o mesmo problema porque ela é a única produzindo aquele produto. Sim, há uma boa oferta de smartphones por aí, mas apenas a Apple produz o iPhone e apenas a Samsung produz o Galaxy. Assim, cada empresa define o quanto cobrar pelo seu dispositivo.

O fator da subjetividade é outro a entrar em campo. Embora seja fácil calcular o custo de produção de uma tela dobrável, é muito mais difícil definir o valor que isso gera para os possíveis compradores. As empresas podem trabalhar em cima deste fator para aumentar o quanto cobram pelos produtos, ainda mais se a tela dobrável for algo que somente você tem a oferecer. Já as empresas que revendem não tem quase nada de subjetivo e único a oferecer; ao contrário, os clientes levarão em conta apenas fatores objetivos na hora da compra como preço e a melhor oportunidade de parcelamento.

Em suma, quanto mais uma empresa consegue trabalhar com a percepção de valor do seu produto – que aumenta quanto mais exclusivo ele for –, mais ela conseguirá aumentar seu preço e, portanto, sua margem de lucro.

 

Como esta lógica se aplica ao jornalismo?

Não é fácil definir o valor de um produto jornalístico. Em geral, os preços cobrados em assinatura, por exemplo, acabam sendo definidos pela disposição do público em pagar pelo que temos a oferecer. Como profissionais do setor, nossa tendência, naturalmente, será pensar que o que fazemos vale mais do que R$ 20,00 ou R$ 30,00 de mensalidade. A história e legado do jornalismo corroboram essa crença.

Ainda assim, aumentar o preço cobrado é sempre um risco, e sabemos que há um limite do quanto podemos exigir dos leitores – mesmo daqueles que mais se interessam pelo que temos a oferecer. Para entender como podemos trabalhar melhor o nosso produto e precificá-lo de acordo, é útil entender de onde vem o nosso valor. Aqui, selecionei dois critérios:

1 – Tradição e credibilidade: O peso deste critério é inquestionável. Jornalistas sabem muito bem que credibilidade não se cria de um dia para o outro – embora possa se deteriorar rapidamente caso a publicação derrape na apuração dos fatos com regularidade. O público também reconhece este valor, de forma que veículos com nome e uma longa tradição tenderão a encontrar mais facilidade em gerar volume de leitores do que veículos que carecem destes elementos. Em geral, as reportagens de veículos tradicionais costumam ser generalistas e informativas, evitando ao máximo a subjetividade de quem assina a matéria. Não a toa, isenção e imparcialidade são palavras-chave nestas empresas.

2 – Especialização/posicionamento: aqui estamos falando de veículos cujo principal objetivo é a diferenciação. O meio para isso será o conteúdo, que pode pender tanto para a objetividade das análises quanto para a subjetividade de quem escreve – e muitas vezes, enfatizando estes dois elementos ao mesmo tempo. Assim, podemos ver matérias que não apenas apresentam informações, mas que contam com explicações profundas sobre um determinado acontecimento e suas possíveis implicações. Igualmente, é possível encontrar diversas reflexões feitas pelo autor sobre os temas abordados, de forma que a sua subjetividade passa a ser o elemento principal do conteúdo. Em ambos os casos, o conteúdo transcende a simples exposição de fatos apurados. Nenhum veículo que aposta nesta estratégia será puramente informativo.

Vale observar que os dois critérios acima não são excludentes. Veículos que apostam na diferenciação do conteúdo também podem gozar de forte credibilidade, gerando ainda mais valor ao conteúdo vendido. Veículos tradicionais também podem adotar uma estratégia editorial posicionada ou especializada, embora muitos prefiram não fazê-lo para não desagradar certa parcela dos leitores.

A pergunta crucial é: qual veículo tem maior possibilidade de fidelizar a audiência e qual tem mais flexibilidade para definir o valor do seu produto? Assim como em outros setores do mercado, a resposta será aquele que tiver maior exclusividade.

Ao se ater apenas à informação e à objetividade dos fatos, muitas empresas acabam limitando o potencial do seu produto. Mesmo os furos de notícia, valorizados como são por quem trabalha no meio, tem pouco valor nos tempos da internet e do ponto de vista do público, já que serão imediatamente replicados por outros veículos e portais. Assim, fica difícil precificar adequadamente o seu conteúdo quando a oferta de outros parecidos com o seu são ofertados a baixo custo ou mesmo gratuitamente.

A tabela abaixo ajuda a entender esta ideia. Os créditos vão para Jay Acunzo que dividiu o conteúdo jornalístico em dois grupos: informativo e reflexivo, de um lado; generalista e personalizado, de outro. De acordo com ele, o produto “informativo” e “generalista” possui pouco valor e pouca orginalidade, caindo, assim, na “gaiola da commodity”. Uma vez ali, os veículos acabarão com dificuldade de atribuir grande valor a ele.

Essa é uma realidade dura de engolir, ainda mais considerando que a maior parte do produto jornalístico de fato é, e continua sendo, informativo e generalista. Embora este tipo de conteúdo tenha rendido muitos frutos na época da abundância de receita publicitária, o cenário atual é muito diferente. Grandes e tradicionais empresas de mídia frequentemente atrelam o seu nome e tradição ao conteúdo publicado, o que de fato traz resultados comerciais. Mas isso nem sempre será suficiente se a maior parte do seu conteúdo estiver no âmbito da commodity, dentro do qual você é forçado a competir por volume. Fora dela, sua luta é por impacto.

Diante das circunstâncias existentes, portanto, se torna cada vez mais necessário encontrar uma estratégia de produto que seja mais robusta do que se apoiar no nome e credibilidade construídos ao longo do tempo para vender conteúdo. Essa realidade se aplica mais a certos produtores de conteúdo e veículos de mídia do que outros, mas ainda assim é uma estratégia que todos deveriam considerar.

O impacto de uma mudança na estratégia editorial sobre a audiência também é algo esperado. Muitos veículos, sobretudo os tradicionais, costumam temer uma queda no volume de acessos e assinantes. O risco é real, ainda mais porque o conteúdo informativo e generalista tende a apelar a um público volumoso, enquanto o conteúdo especializado, posicionado ou reflexivo tem o efeito oposto, apelando a um público de nicho. É quase como se o centro gravitacional mudasse de lugar.

A questão é que volume não é sinônimo de valor, de forma que os veículos que se apegam a este elemento arriscam ser facilmente substituíveis.

Talvez, portanto, não seja o setor que está obsoleto, mas apenas a estratégia editorial adotada por muitos.

Notícias puramente informativas tem pouca exclusividade pois são facilmente replicáveis. Já notícias especializadas, analíticas ou opinativas são únicas. O resultado é que elas tem muito mais valor agregado do que apenas a informação, e sem que haja percepção de valor, não há como sustentar um produto e um negócio por muito tempo.

Assim como em muitos outros mercados, também no mercado de mídia.

João Arantes Payne
Autor

Jornalista, Mestre em Ciência Política. Editor do Orbis Media Review e Professor do Master: Núcleo de Negócios de Mídia.

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