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Carlos Alberto Di Franco

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Professor Doutor Diretor Geral

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade e no equilíbrio da sua opinião. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência. É daí que nasce a credibilidade.

A sociedade está cansada do clima de radicalização que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo militante. Um denominador comum marca a superficialidade que invadiu o espaço outrora destinado à informação qualificada: a politização.

O grande equívoco da imprensa é deixar de lado a informação e assumir, mesmo com a melhor das intenções, certa politização das coberturas.

Em tempos de ansiedade digital, a reinvenção do jornalismo reclama revisitar alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles resumem boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje, mais que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser resgatados e promovidos.

A democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. Comprometido com a verdade possível. O jornalismo de qualidade exige cobrir os fatos. Não as nossas percepções subjetivas. Analisar e explicar a realidade. Não as nossas preferências, as simpatias que absolvem ou as antipatias que condenam. Isso faz toda a diferença e é serviço à sociedade.

O grande equívoco da imprensa é deixar de lado a informação e assumir, mesmo com a melhor das intenções, certa politização das coberturas. Os desvios não se combatem com o enviesamento informativo, mas com a força objetiva dos fatos e de uma apuração bem conduzida.

O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos.

As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização da sociedade. Suscitam debates, geram polêmicas (algumas com forte radicalização) e exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais.

Sem jornais a democracia não funciona. O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre iniciativa, abertura ao contraditório. O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.

O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais teve precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.

Jornalismo independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. Mas a reinvenção do jornalismo passa por uma imensa capacidade de sonhar. É preciso vencer comportamentos burocráticos, reconhecer a nossa crise e tratar de virar o jogo. O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais teve precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.

Os leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Em vez de ficarmos reféns do diz que diz, do blablablá inconsistente do teatro político, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um país que não pode continuar olhando pelo retrovisor.

A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.

Não podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.

A violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda, sem viés ideológico, é uma demanda dos leitores.

A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.

Artigo publicado em 16/05/22, na Gazeta do Povo.

Empurrado pela tecnologia, o mundo transforma-se em um ritmo frenético. As mudanças no jornalismo, ao contrário, vêm a conta-gotas. Nas redações, somos diariamente submergidos pela enganosa ideia de que para acompanhar o compasso das novidades que surgem do lado de fora é preciso, antes de mais nada, de um poderoso suporte financeiro. Não discordo que o dinheiro seja necessário. No entanto, algumas medidas capazes de reacender esse potente, mas sonolento motor da mídia independem e grandes fortunas.

Nos acostumamos a trabalhar de costas para a audiência. Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”.

Comecemos por derrubar os padrões culturais que há décadas ditam o trabalho nas redações. Na prática, dentre outras coisas, trata-se de entender que a produção da notícia começa pelo leitor. Nessa lógica, a audiência deixa de ser simples destinatária da informação para ser também sua proponente. Um processo fácil de ser descrito, mas, como em toda mudança de paradigma, altamente complexo em sua execução.

Nós, profissionais da imprensa, por mais absurdo e contraditório que isso possa parecer, nos acostumamos a trabalhar de costas para a audiência. Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”. Ainda que dita quase sempre em tom de brincadeira, revela a sombria face da vaidade da nossa profissão. Será que, de fato, por vezes não temos esquecido nossa função social para buscar a admiração de colegas que, seguramente, terão acesso ao material que publicamos?

O resultado financeiro dos veículos depende, agora, em grande parte, daqueles que não sabemos chamar pelo nome e com os quais não nos comunicamos.

No Jornalismo abalado pela avalanche digital e que aos poucos se reergue, não há lugar para a presunção. A única obsessão permitida são os leitores. Eles são a peça-chave do trabalho editorial. Precisamos descobrir quem são, suas demandas reais, suas circunstâncias, seus interesses. Precisamos confessar a nós mesmos, ruborizados, que desconhecemos seus rostos.

Por muito tempo, enquanto a publicidade ainda pagava as contas dos veículos, ter acesso ao perfil médio do leitor servia unicamente como suporte para a venda de anúncios. O levantamento ficava normalmente sob a responsabilidade das áreas comerciais e raras vezes chegava às redações a ponto de impactar o conteúdo. Com a queda da receita publicitária, o caminho da monetização mudou: os leitores deixaram de ser vistos como meros consumidores de produtos anunciados e passaram a ser considerados potenciais assinantes, futuros adeptos dos modelos de associação que se começam a vislumbrar pelas redações do mundo. O resultado financeiro dos veículos depende, agora, em grande parte, daqueles que não sabemos chamar pelo nome e com os quais não nos comunicamos.

Fortalecer os laços entre redação e audiência não deve ser entendido como uma estratégia utilitarista. Ações de motivação meramente financeira nesse campo nascem com os dias contados.

Abrir canais de diálogo é outra forma simples e barata de fortalecer os vínculos com a audiência. A barreira para que isso seja feito é, uma vez mais, puramente cultural. A pesquisa Potencial de membership e de relacionamento com o público nas redações brasileiras, encabeçada pela Orbis Media Review, revelou que nem todos os profissionais da mídia estão completamente abertos ao contato com o público. Dentre os entrevistados, 11% afirmaram não ter o hábito de ler os comentários feitos pelos leitores sobre suas matérias. Outros 14% afirmaram que nunca responderam tais comentários e 17% não se lembravam de quando havia sido a última vez que o fizeram. A boa notícia é que porcentagem relativamente alta já demonstra ter incorporado o hábito: 14% haviam se comunicado com a audiência no mesmo dia em que estavam respondendo à entrevista e outros 21% afirmaram que naquela semana haviam entrado em contato com os leitores. O dado mais preocupante talvez seja o tempo que afirmam estar dispostos a dedicar a esta tarefa: 51% disseram que reservariam uma hora por semana. Muito pouco para quem tem agora uma necessidade vital de cativar o público.

Fortalecer os laços entre redação e audiência não deve ser entendido como uma estratégia utilitarista. Ações de motivação meramente financeira nesse campo nascem com os dias contados. Os veículos não necessitam apenas de assinantes que nos paguem as contas. Desejamos o relacionamento porque nele encontramos a razão de ser de nossa profissão. Não existem jornalistas sem leitores. Simples assim.

Conversar com a audiência não é uma carga. É uma necessidade. E deve ser um prazer.

Demoramos muito para entender que o digital não era um concorrente em nosso setor. Ficamos mais preocupados em defender a sobrevivência dos meios tradicionais e, trancados em nossas convicções, não percebemos que todo o entorno passava por uma profunda transformação. Estávamos certos de que éramos essenciais na vida da sociedade. E, de fato, me parece que somos. Mas precisamos nos abrir para o público, para que também ele reconheça o valor do jornalismo que faz diferença em suas vidas. Desta vez, a solução parece depender apenas de nós. Precisamos correr. Do contrário, corremos o risco de perder o bonde da história.

Conversar com a audiência não é uma carga. É uma necessidade. E deve ser um prazer. Ouvir é preciso. Nossa ótica é, e deve ser, fiscalizadora. Frequentemente dura e contundente.  Mas devemos aspirar em cada edição um toque de encantamento e de surpresa tão próprio do jornalismo propositivo. Façamos um brinde aos  leitores.

A sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo. Um denominador comum marca o achismo que invadiu o espaço outrora destinado à informação qualificada: radicalização e politização.  

O jornalismo reclama alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles resumem boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje, mais que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser resgatados e promovidos.

O jornalismo de qualidade exige cobrir os fatos. Não as nossas percepções subjetivas.

A democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. Comprometido com a verdade possível. O jornalismo de qualidade exige cobrir os fatos. Não as nossas percepções subjetivas. Analisar e explicar a realidade. Não as nossas preferências, as simpatias que absolvem ou as antipatias que condenam. Isso faz toda a diferença e é serviço à sociedade.

As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização da sociedade. Suscitam debates, geram polêmicas (algumas com forte radicalização) e exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos de um país são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais.   

O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais teve precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores.

Sem jornais a democracia não funciona. O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia. 

Jornalismo independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor.  Mas a reinvenção do jornalismo passa por uma imensa capacidade de sonhar. É preciso vencer comportamentos burocráticos, reconhecer a nossa crise e tratar de virar o jogo. O fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais, por exemplo, teve precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.

A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.

Os leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação do saneamento básico. É preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o Brasil e torna inviável o futuro de gerações. Não seria uma bela bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa? Em vez de ficarmos reféns do diz que diz, do blá blá blá inconsistente do teatro político, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um País que não pode continuar olhando pelo retrovisor.

Não podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do cotidiano, não pode desconhecer e, mais que isso, confrontar permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.

Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel.

A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.

A violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda, sem viés ideológico, é uma demanda dos leitores. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem tornar o jornalismo refém da fácil cultura do negativismo.

Chegou a hora do jornalismo propositivo. Aquele que não se limita a mostrar os problemas, mas vai além: aponta alternativas e soluções.

Texto originalmente publicado no site do autor.

Empurrado pela tecnologia, o mundo transforma-se em um ritmo frenético. As mudanças no jornalismo, ao contrário, vêm a conta-gotas. Nas redações somos diariamente submergidos pela enganosa ideia de que para acompanhar o compasso das novidades que surgem do lado de fora é preciso, antes de mais nada, um poderoso suporte financeiro. Não discordo que o dinheiro seja necessário. No entanto, algumas medidas capazes de reacender esse potente, mas sonolento motor da mídia tradicional, independem de grandes fortunas.

Comecemos por derrubar os padrões culturais que há décadas ditam o trabalho nas redações. Na prática, dentre outras coisas, trata-se de entender que a produção da notícia começa pelo leitor. Nessa lógica, a audiência deixa de ser simples destinatária da informação para ser também sua proponente. Um processo fácil de ser descrito, mas, como em toda mudança de paradigma, altamente complexo em sua execução.

Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”. Ainda que dita quase sempre em tom de brincadeira, revela a sombria face da vaidade da nossa profissão.

Nós, profissionais da imprensa, por mais absurdo e contraditório que isso possa parecer, nos acostumamos a trabalhar de costas para a audiência. Uma frase que circula na classe é que “jornalistas escrevem para jornalistas”. Ainda que dita quase sempre em tom de brincadeira, revela a sombria face da vaidade da nossa profissão. Será que, de fato, por vezes não temos esquecido nossa função social para buscar a admiração de colegas que, seguramente, terão acesso ao material que publicamos?

O resultado financeiro dos veículos depende, agora, em grande parte, daqueles que não sabemos chamar pelo nome e com os quais não nos comunicamos.

No jornalismo abalado pela avalanche digital e que aos poucos se reergue, não há lugar para a presunção. A única obsessão permitida são os leitores. Eles são a peça-chave do trabalho editorial. Precisamos descobrir quem são, suas demandas reais, suas circunstâncias, seus interesses. Precisamos confessar a nós mesmos, ruborizados, que desconhecemos seus rostos.

Por muito tempo, enquanto a publicidade ainda pagava as contas dos veículos, ter acesso ao perfil médio do leitor servia unicamente como suporte para a venda de anúncios. O levantamento ficava normalmente sob a responsabilidade das áreas comerciais e raras vezes chegava às redações a ponto de impactar o conteúdo. Com a queda da receita publicitária, o caminho da monetização mudou: os leitores deixaram de ser vistos como meros consumidores de produtos anunciados e passaram a ser considerados potenciais assinantes, futuros adeptos dos modelos de associação que se começam a vislumbrar pelas redações do mundo. O resultado financeiro dos veículos depende, agora, em grande parte, daqueles que não sabemos chamar pelo nome e com os quais não nos comunicamos.

Na prática, trata-se de entender que a produção da notícia começa pelo leitor. No jornalismo não há lugar para a presunção. A única obsessão permitida são os leitores. Eles são a peça-chave do trabalho editorial.

Abrir canais de diálogo é outra forma simples e barata de fortalecer os vínculos com a audiência. A barreira para que isso seja feito é, uma vez mais, puramente cultural. A pesquisa Potencial de membership e de relacionamento com o público nas redações brasileiras, encabeçada pelo Orbis Media Review, revela que nem todos os profissionais da mídia estão completamente abertos ao contato com o público. Dentre os entrevistados, 11% afirmaram não ter o hábito de ler os comentários feitos pelos leitores às suas matérias. Outros 14% afirmaram que nunca responderam tais comentários e 17% não se lembravam de quando havia sido a última vez que o fizeram. A boa notícia é que porcentagem relativamente alta já demonstra ter incorporado o hábito: 14% haviam se comunicado com a audiência no mesmo dia em que estava respondendo à entrevista e outros 21% afirmaram que naquela semana haviam entrado em contato com os leitores. O dado mais preocupante talvez seja o tempo que afirmam estar dispostos a dedicar a essa tarefa: 51% disseram que reservariam uma hora por semana.

Fortalecer os laços entre redação e audiência não deve ser entendida como uma estratégia utilitarista. Ações de motivação meramente financeira nesse campo nascem com os dias contados. Os veículos não necessitam apenas de assinantes que nos paguem as contas. Desejamos o relacionamento porque nele encontramos a razão de ser de nossa profissão. Não existem jornalistas sem leitores. Simples assim.

Estávamos certos de que éramos essenciais na vida da sociedade. E, de fato, me parece que somos. Mas precisamos nos abrir para o público, para que também ele reconheça o valor do jornalismo que faz diferença em sua vida.

Demoramos muito para entender que o digital não era um concorrente em nosso setor. Ficamos mais preocupados em defender a sobrevivência dos meios tradicionais e, trancados em nossas convicções, não percebemos que todo o entorno passava por uma profunda transformação. Estávamos certos de que éramos essenciais na vida da sociedade. E, de fato, me parece que somos. Mas precisamos nos abrir para o público, para que também ele reconheça o valor do jornalismo que faz diferença em sua vida.

Impõe-se colocar a audiência no centro do processo. Já não basta que definamos nós o que precisamos os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. Interagir com eles. Captar suas sugestões. Aceitar suas críticas. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real.

Conversar com o leitor não é uma carga. É uma necessidade. E deve ser um prazer. Precisamos correr. Do contrário, corremos o risco de perder o bonde da história.


Publicado originalmente em https://carlosalbertodifranco.com.br/jornalismo/leitor-conversa-necessaria.html

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência.

A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.

Outra coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz na crescente incapacidade de elogiar o que deu certo. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado e independente.

Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa.

A fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada. Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas.

Alguns desvios, no entanto, podem comprometer o resultado final do trabalho. A precipitação é um vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. O poder público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é importante, mas não é a única. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir do show político e fazer a opção pela informação que realmente conta. Só assim, com didatismo e equilíbrio, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

O dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes.

A incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E, surpreendentemente, nada acontece. O jornalismo é o único negócio em que a satisfação do cliente (o consumidor da informação) parece interessar muito pouco. O jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. A chave de uma boa edição, no impresso e no digital, é o planejamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas são feitas só pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado, está na hora de repensar todo o processo de edição.

O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. E o dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.

Por outro lado, ao tentar disputar espaço com o mundo do entretenimento, a chamada imprensa séria está entrando num perigoso processo de autofagia. A frivolidade não é a melhor companheira para a viagem da qualidade. Pode até atrair num primeiro momento, mas depois, não duvidemos, termina sofrendo arranhões irreparáveis no seu prestígio, na sua marca.

Registremos, ademais, os perigos do jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: Checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade informativa.

Finalmente, precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legendas é fácil. Porém admitir a prática de atitudes de prejulgamento, de manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige coragem moral. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva.


Artigo originalmente publicado em https://carlosalbertodifranco.com.br/jornalismo/jornalismo-sem-adornos.html

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou a indicação da juíza Amy Coney Barrett para a Suprema Corte do País. A notícia recebeu um rótulo que, a meu ver, escancara um enviesamento ultrapassado, injusto e unilateral: “ultraconservadora”. Minha afirmação se apoia na constatação de um desequilíbrio recorrente. Quantas vezes, amigo leitor, você viu semelhante carimbo na outra ponta do espectro ideológico? Nenhuma, estou certo. Não vejo na imprensa uma gradação análoga para definir os que apoiam causas da esquerda. Todos são chamados genericamente de progressistas, qualificativo que transmite glamour e modernidade.

Vende-se ao leitor não informação, mas uma percepção, cartas marcadas, quase contrabando opinativo. Esta é a verdade. Aí você vai dar uma garimpada e descobre coisas interessantes. Amy Coney Barrett entra no Poder Judiciário pelas mãos de dois democratas. Nomeada pelo presidente Jimmy Carter em 1980 como juíza do Tribunal de Apelações dos Estados Unidos; nomeada por Bill Clinton para o cargo de Associada de Justiça da Suprema Corte e, finalmente, ascendida para a Suprema Corte.

Casada, católica, mãe de sete filhos, dois deles adotados e negros. Sua fotografia familiar atrai e tem pegada. Foi pupila de Antonin Scalia. Defensora da 1ª Emenda da Constituição Americana, aquela que garante às pessoas plena liberdade de expressão.

O rótulo “ultraconservadora” e a má vontade, creio, tem duas razões bem precisas. Primeiro porque o que está em jogo na indicação de Barrett é a possibilidade de a Suprema Corte dos EUA reverter o famoso caso Roe vs Wade, que permitiu a prática do aborto. Isso provoca vertigem nos chamados progressistas.

Depois, e para complicar, Barrett é uma originalista. Ela acredita que a enxuta Constituição dos Estados Unidos basta para resolver os conflitos jurídicos, mesmo tendo sido escrita há 233 anos. Os valores constitucionais, sobretudo o respeito às liberdades individuais e à vida, devem ser defendidos e conservados. Não é o que ocorre aqui na realidade brasileira, na qual ministros progressistas da Corte Suprema, armados de intenso ativismo judicial, atropelam o Congresso e impõem valores que estão na contramão da sociedade.

Creio que chegou a hora da imprensa superar a síndrome dos rótulos e desarmar esta armadilha antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando sua credibilidade. Alguns colegas, talvez inconscientemente, não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, criar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. É tudo, menos jornalismo. Debatam-se os temas, com clareza e transparência, nas páginas de opinião. Mas não se use o espaço informativo para enviesar a notícia. O leitor não quer ser conduzido. Quer ser informado.

A reportagem é, ou deveria ser, sempre substantiva. O adjetivo é o enfeite da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma mentira.

É importante que os repórteres e responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a isenção (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, completa, bem apurada. E hoje em dia pode buscá-la em muitos espaços do imenso mundo digital. Ficará conosco se soubermos apresentar um produto de qualidade.

É necessário perceber, para o bem o para o mal, que perdemos a hegemonia da informação e da narrativa. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo. Precisamos olhar para as nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores.

Outro problema recorrente: o negativismo e a falta de um jornalismo propositivo. Alguns setores da mídia, em nome da independência, castigam diariamente o fígado dos consumidores. Dominados pelo vírus do negativismo, perdem conexão com a vida real. O jornalismo não existe para elogiar, argumentam os defensores de uma imprensa que se transforma em exercício permanente de contrapoder. Tem uma missão de denúncia, de contraponto. Até aí, estou de acordo. A impunidade, embora resistente, está se enfrentando com o aparecimento de uma profunda mudança cultural: o ocaso do conformismo e o despertar da cidadania. Por isso, a imprensa investigativa, apoiada em denúncias bem apuradas, produz o autêntico jornalismo da boa notícia. Denunciar o mal é um dever ético.

A deformação, portanto, não está apenas no noticiário negativo, mas na miopia, na obsessão pelo underground da vida. O que critico não é o jornalismo de denúncia, mas o culto ao denuncismo e a ausência de um jornalismo propositivo. Estou convencido de que boa parte da crise que castiga a mídia pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir suas audiências.

Menos rótulo e mais informação. Pode parecer uma pequena providência. Mas passará aos leitores um recado do equilíbrio cada vez mais demandado.

O presidente Jair Bolsonaro e os jornalistas vivem em clima de guerra. Os embates, tóxicos e intransigentes, não têm a cara do Brasil. A perspectiva de quase dois anos de governo permite ensaiar um balanço das perdas e ganhos de um conflito desagradável e nada produtivo.

As últimas pesquisas mostram que o presidente da República, armado de seu estilo agressivo e tom de conversa em mesa de bar, está levando vantagem nas bolas divididas e fazendo mais gols.  Bolsonaro ataca muito. Mas também apanha para valer. A percepção da sociedade refletida nas pesquisas é a de que Jair Bolsonaro, mesmo com o desgaste da “rachadinha”, está mais para vítima do que para vilão.

O grande equívoco da imprensa é deixar de lado a informação e assumir certa postura de militância. Os eventuais desvios do governo não se combatem com o enviesamento das coberturas, mas com a força objetiva dos fatos e de uma apuração bem conduzida.

Vamos a alguns exemplos. Eles ajudam a iluminar a argumentação deste artigo.

Não faz muito tempo, uma apresentadora de televisão afirmou, no ar, ao noticiar um evento do governo chamado “Vencendo a covid-19”, que “nem Bolsonaro nem as autoridades presentes prestaram solidariedade às vítimas”. Mas o distinto público pôde ver e ouvir que a médica Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares, uma das participantes da cerimônia, pediu um minuto de silêncio em homenagem aos 115 mil mortos na epidemia – e que todos os presentes atenderam ao seu apelo. Negar um fato comprovado com o som e a imagem é um tiro no pé, um absurdo.

É óbvio que nós, jornalistas, temos o dever ético de iluminar o lado escuro do governo. Mas denúncias, necessárias e pertinentes, precisam estar apoiadas na objetividade dos fatos e no verdadeiro interesse público.

Reproduzo recente manchete de jornal: “Bolsonaro monta roteiro para entregar obras de Lula e Dilma”. Pois bem, amigo leitor, a descontinuidade das obras de infraestrutura dos antecessores, com imensas consequências econômicas e perda de eficiência, tem sido objeto de recorrente crítica da imprensa e da sociedade. As inaugurações de Bolsonaro, independentemente do eventual ganho eleitoral, deveriam ser evitadas? É óbvio que não. Na verdade, o presidente está fazendo o que nós sempre cobramos: dar continuidade às obras de administrações anteriores.

O erro da imprensa, que a afasta das suas audiências, está em atribuir ao presidente coisas que ele não fez. É óbvio que nós, jornalistas, temos o dever ético de iluminar o lado escuro do governo. Mas denúncias, necessárias e pertinentes, precisam estar apoiadas na objetividade dos fatos e no verdadeiro interesse público.

Governo e imprensa não podem ter uma relação promíscua. É salutar certa tensão entre as instituições. Mas precisam conversar. São peças essenciais da estrutura democrática. Aguardo – já o disse outras vezes – que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de presidente de todos os brasileiros. Espero também que nós, jornalistas, deponhamos as armas do engajamento e façamos jornalismo.

O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na ideologia, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião.

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na ideologia, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião.

Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, na cobertura de política e do governo, e em nome de suposta independência, têm enveredado pelo que eu chamaria de jornalismo militante. E isso não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda crescentemente seus próprios leitores. Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso de negativismo de nossas pautas. Trata-se de um fato percebido nas redes sociais.

Na verdade, à semelhança do que aconteceu no segundo semestre de 2018, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e aquilo que se consolida paulatinamente como fatos e/ou percepções de suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas próprias reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela internet.

Sobra fofoca e falta notícia. No entanto, muitas pautas estão quicando na nossa frente. Precisamos fugir da espuma política e fazer a opção pela informação que realmente conta.

Ao agirem dessa forma, correm o risco de comprometer a viabilidade de seus próprios veículos, pois somarão às já conhecidas perdas de verbas publicitárias dos últimos muitos anos uma diminuição das audiências. Não se trata, por óbvio, de ficarmos reféns do leitorado. Os jornais, frequentemente, têm o dever ético de dizer coisas que podem não agradar aos seus leitores. Mas é preciso não perder conexão com as percepções do público e com a própria realidade.

É necessário reconhecer, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se, por óbvio, um jornalismo menos anti e mais propositivo. O que não significa, nem de longe, perder a necessária independência e senso crítico. A fiscalização dos governos e das instituições é parte essencial da atividade jornalística. A democracia se fortalece com uma imprensa isenta, mas crítica.

O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Sobra fofoca e falta notícia. No entanto, muitas pautas estão quicando na nossa frente. Precisamos fugir da espuma política e fazer a opção pela informação que realmente conta. É preciso investir em matérias profundas e capazes de despertar um debate consistente.

Chegou a hora do jornalismo propositivo.


Artigo originalmente publicado no site do autor.

A história do jornalismo registra momentos fascinantes. Destaco aqui um deles. Um exemplo de profissionalismo, independência e consciência da essência do nosso papel na sociedade.

O veterano jornalista Carl Bernstein – famoso no mundo inteiro depois da série de reportagens, escrita com Bob Woodward, que revelou o famoso escândalo Watergate e derrubou o presidente Richard Nixon – não forma com o time dos corporativistas de carteirinha. Sua crítica, aberta, sincera e direta, aos eventuais desvios das reportagens representa excelente contribuição ao jornalismo. Suas palavras parece que foram escritas para os dias de hoje.

“O importante”, diz Bernstein, “é saber escutar. As respostas são sempre mais importantes que as perguntas que você faz. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos.”

O comentário é uma estocada nas atitudes de engajamento, arrogância e prejulgamento que corroem e desfiguram a reportagem e minam a credibilidade das marcas.

“Os jornalistas, hoje”, sublinha, “trabalham com um monte de preconceitos. Fazem quatro ou cinco perguntas para provocar alguma polemicazinha de nada, mas evitam iluminar a cena, fazer compreender.” Com a autoridade de quem sabe das coisas, Bernstein dá uma aula de maturidade profissional.

O bom repórter ilumina a cena, o jornalista manipulador constrói a história. A distorção, no entanto, nem sempre é clara. Escapa, frequentemente, à perspicácia do leitor médio. Tem aparência de informação, mas não é. Daí a gravidade do dolo. Na verdade, a batalha da isenção, forte demanda da sociedade atual, enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência atrevida. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos próprios de certa delinquência editorial transformam um princípio ético irretocável numa grande farsa.

O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir.

A apuração de faz-de-conta representa uma das maiores agressões à imprensa de qualidade. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade. É um artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade factual culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.

A imprensa tem caído nessa armadilha antijornalística. Trata-se de uma prática que, certamente, acaba arranhando sua credibilidade. Ainda não conseguimos de superar a síndrome dos rótulos. Alguns colegas não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. A reportagem é, ou deveria ser, sempre substantiva. O adjetivo é o enfeite da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma mentira.

É importante que os repórteres e responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a isenção (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, bem apurada. E, hoje em dia, pode buscá-la em muitos espaços do imenso mundo digital. Ficará conosco de soubermos apresentar um produto de qualidade.

Estou convencido de que boa parte da crise que castiga a mídia pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir suas audiências.

Outro problema: o negativismo e a falta de um jornalismo propositivo. Alguns setores da mídia, em nome da independência, castigam diariamente o fígado dos consumidores. Dominados pelo vírus do negativismo, perdem conexão com a vida real. O jornalismo não existe para elogiar, argumentam os defensores de uma imprensa que se transforma em exercício permanente de contrapoder. Tem uma missão de denúncia, de contraponto. Até aí, estou de acordo. A impunidade, embora resistente, está se enfrentando com o aparecimento de uma profunda mudança cultural: o ocaso do conformismo e o despertar da cidadania. Por isso, a imprensa investigativa, apoiada em denúncias bem apuradas, produz o autêntico jornalismo da boa notícia. Denunciar o mal é um dever ético.

A deformação, portanto, não está apenas no noticiário negativo, mas na miopia, na obsessão pelo underground da vida. O que critico não é o jornalismo de denúncia, mas o culto ao denuncismo e a ausência de um jornalismo propositivo. Estou convencido de que boa parte da crise que castiga a mídia pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir suas audiências.

O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. No fundo, a normalidade é um grande desafio e, sem dúvida, o melhor termômetro da qualidade.

Tem razão Carl Bernstein: não devemos sucumbir à tentação do protagonismo. Nosso ofício, humilde e grandioso, é o de iluminar a história.


Texto publicado originalmente em
https://carlosalbertodifranco.com.br/jornalismo/jornalismo-iluminar-a-historia.html

Há gente desencantada com o jornalismo e fascinada com as redes sociais. Acreditam, ingenuamente, que a balburdia do mundo digital vai resgatar a verdade conspurcada. Como se as redes fossem um espaço plural que se contrapõe a uma suposta hegemonia da mídia tradicional. Não percebem, talvez involuntariamente, que a Internet tende a criar redutos fechados, bolhas impermeáveis ao contraditório, um ambiente embalado ao som de Samba de Uma Nota Só.  

Sou apaixonado pelo jornalismo. Escrevo na imprensa tradicional e participo intensamente das novas mídias. Ambas são importantes. Não são excludentes.

Em tempos de tentativas de censura à liberdade de expressão, precisamos desenvolver um constante exercício de autocrítica. A reinvenção do jornalismo passa, necessariamente, pelo retorno aos sólidos pilares da ética e da qualidade informativa.

A crise do jornalismo está ligada à falência da objetividade e ao avanço do subjetivismo engajado. Quase sem perceber, alguns jornais sucumbem à síndrome da opinião invasiva. Ganham traços de redes sociais. Falam para si mesmos e não para suas audiências. Como disse João Pereira Coutinho, “não são as redes sociais que matam os jornais; são eles próprios que se suicidam quando seguem o exemplo das redes”.

Na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.

É preciso apostar na informação. Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeça para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns profissionais possuem de descobrir histórias inéditas, de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.

Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.

Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer.

Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras, multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao final de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso?  Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. O ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas décadas, imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.

Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso de negativismo de nossas matérias. Trata-se de um fato percebido nas redes. Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda seus próprios leitores.

Precisamos olhar para nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial naquilo que estamos entregando aos nossos consumidores.

Na verdade, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e o que se consolida paulatinamente como fatos ou percepções de suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela Internet.

Não se trata, por óbvio, de ficarmos reféns do leitorado. Os jornais, frequentemente, têm o dever ético de dizer coisas que podem não agradar a seus leitores. Mas é preciso não perder conexão com as percepções do público.

É necessário perceber, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo. Precisamos olhar para nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial naquilo que estamos entregando aos nossos consumidores. Sabendo que se a resposta for negativa poucas serão as possibilidades de monetizar nosso conteúdo. Afinal, ninguém pagará pelo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.

Sou otimista em relação ao futuro das empresas de comunicação, mas não deixo de considerar que o renascer do nosso setor será resultado de um doloroso processo. Exigirá uma boa dose de audácia para dinamitar antigos processos e modelos mentais que, até este momento, vêm freando as tentativas de reinvenção.

Em palestra de encerramento do Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, em São Paulo, há exatos 8 anos, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministro Carlos Ayres Britto, fez uma vibrante defesa da liberdade de imprensa e de expressão.

Eu fui, juntamente com o jurista Ives Gandra Martins, um dos promotores do evento. Eram tempos de governos petistas. Surgiam, aqui, ali e acolá ameaças às liberdades. O seminário teve um papel importante na reafirmação da defesa de valores inegociáveis: liberdade de imprensa e de expressão.

Ayres Britto foi contundente. Seu discurso não deixou margem para interpretações ambíguas: “Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não há plenitude de liberdade de imprensa”. Para o então presidente do STF, o confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o direito à privacidade, por exemplo, “inevitavelmente” se dará. Brito garantiu, porém, que a nossa Carta Magna estabelece a prioridade à livre expressão ante o direito à privacidade: “A liberdade de imprensa ocupa, na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”.

Eu jamais podia imaginar que passados poucos anos as ameaças às liberdades viriam não dos petistas, mas de importantes instituições da República: o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

O projeto dessa Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (ou “Lei das Fake News), que acaba de ser aprovado pelo Senado por 44 votos favoráveis e 32 contrários, e vai agora para apreciação da Câmara dos Deputados, é um exemplo da corrosão programada da liberdade de expressão.

O Congresso, aparentemente, pretende proteger a sociedade do mau uso da internet. Muita desinformação e falsidade explícita corre solta no mundo digital. É um fato. Mas o remédio para combater os crimes e abusos já existem: estão previstos há 80 anos no Código Penal Brasileiro, com penas de multa, detenção ou reclusão. São a calúnia, a difamação e a injúria. Existe, além disso, um leque de punições cíveis para os que causem danos por dizer mentiras, fazer insultos ou espalhar falsidades. Como salientou recentemente J.R. Guzzo, “por que, então, criminalizar o que está nas redes sociais, quando tudo que se pode fazer de mal pela palavra já é crime?”

O objetivo oculto da “Lei das Fake News” é amedrontar, censurar a liberdade de expressão e de opinião e criar uma couraça protetora para os representantes do mundo político.

É o mesmo, rigorosamente, que o STF busca com o seu inquérito para apurar “atos contra a democracia”. Na contramão da Constituição, assumindo o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa, a Corte Suprema vai minando as garantias básicas do cidadão – da liberdade de expressão ao direito de defesa.

O Supremo Tribunal Federal não tem histórico de combate à criminalidade do andar de cima. Alguém se lembra de algum delinquente da chamada “elite” política que tenha sido condenado pelos ilustres ministros do STF? Ninguém. No entanto, armados de uma celeridade incomum investem contra os “perigosíssimos criminosos” da internet. Gente presa por determinação de um ministro da Corte Suprema, e sem culpa formada, escancara uma face perigosa do autoritarismo judicial.

Não defendo, por óbvio, a irresponsabilidade nas redes sociais. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade.

Soma-se a tudo isso o desmanche da Operação Lava Jato. Na verdade, a guerra declarada da Procuradoria Geral da República (PGR) com a força-tarefa de Curitiba está apenas começando. Vem aí o desmonte de uma operação anticorrupção que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil e, com a prisão de um ex-presidente, ex-governadores, ex-presidente da Câmara e os maiores empresários do País, gerou a esperança de que a lei valeria para todos. O sonho do fim da impunidade começa a ruir.

É claro que eventuais excessos da Lava Jato devem ser corrigidos. É evidente que as redes sociais não podem ser um território sem valores. Mas nada disso será alcançado por meio de interesses corporativos que, no fundo, pretendem apenas consolidar privilégios que confrontam a cidadania.

Não defendo, por óbvio, a irresponsabilidade nas redes sociais. Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da internet. Mas eles já existem e estão previstos na legislação vigente, sem necessidade de novas intervenções do Estado.

O que fazer quando a política se transforma em plataforma de banditismo? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre, independente e plural. E sem qualquer forma de controle ilegítimo, tanto na imprensa tradicional quanto nas redes sociais. Não se constrói um país com mentira, casuísmo e esperteza. Não se levanta uma democracia com a mesma ferramenta autoritária usada pela ditadura: a censura. Controles e regulação são apenas eufemismos que ocultam o que, de fato, se pretende: uma Nação ajoelhada diante de comportamentos autoritários. Você, amigo leitor, pode e deve se manifestar. Com respeito, mas com firmeza. O Brasil não quer isso.