BuzzFeed, o nativo digital criador de um modelo disruptivo de conteúdo viral, agora recorre a asinhas de frango picantes para não ser expulso da Nasdaq. É que o Hot Ones – programa em que celebridades são entrevistadas enquanto comem hot wings cada vez mais ardidas – se consolida como uma das grandes apostas do conglomerado de mídia não apenas pelos altos índices de audiência, mas também por licenciar a marca para lanches de microondas, os Hot Pockets. Assim se espera que o preço mínimo da ação chegue a US$ 1, valor mínimo para seguir operando na bolsa tecnológica norte-americana.

Variar os modelos de negócio sempre esteve no DNA do BuzzFeed. A empresa dona do HuffPost, da Complex Media, do First We Feast e do Tasty matou no peito as críticas pela criação do “jornalismo de listas” e seguiu seu propósito de explorar o efeito rede. Sob a batuta da publisher Dao Nguyen, o veículo fez inveja a gigantes da mídia legada ao construir conexões entre trending topics, conteúdo produzido pelo usuário, formatos publicitários descolados e hipercustomizados entregues a um inventário que disparava, assim como as redes. Até que as redes começaram a concorrer entre si e não sobrou audiência suficiente para sustentar o esquema.

Segundo a AdWeek, a saída de Nguyen, depois de 11 anos na empresa, marca “o fim simbólico de uma era para o BuzzFeed” em que a força de um portfólio massivo cede lugar à valorização de marcas individuais na busca pela fidelização de uma audiência direta.

A decisão do criador e CEO do BuzzFeed, Jonah Peretti, é de pivotar o foco das operações em tempo de permanência – que caiu 19% (ano sobre ano) no balanço do último trimestre – e na força de cada marca. Daí que a particularidade das hot wings soa tão promissora aos olhos de Peretti! Os vídeos são longos e o nível de interesse aumenta conforme os entrevistados suam para responder as perguntas enquanto comem asinhas de frango cada vez mais picantes. 

Se é tempo de permanência que o mercado quer, é tempo de permanência que o BuzzFeed conquista de usuários que criam uma mistura de tamagotchi com chatbot. O jogo, que roda dentro da plataforma do BuzzFeed, usa IA generativa para desafiar os jogadores a “educarem” um “bebe nepo” – o Nepogotchi – na tentativa de transformá-lo em um robô que represente um “ser humano decente”. Outra proposta, no mínimo, particular – tão específica quanto a forma com que Jonah Peretti quer que o mercado veja cada uma de suas marcas.

Menos vídeos curtos, mais tempo de permanência

Desde que mudanças nos algoritmos das redes sociais derrubaram a tese de que é possível rentabilizar um produto editorial alcançando audiência em escala, Peretti se convenceu de que não adianta embarcar no hype. Durante a conferência com os investidores para apresentar os resultados do terceiro trimestre de 2023, o CEO explicou: “O tráfego gerado pelas principais plataformas diminui à medida em que elas priorizam seus próprios formatos de vídeo verticais, em meio à intensa competição por participação da audiência”.

O BuzzFeed chegou a embarcar na onda de vídeos curtos, mas logo notou que é mais difícil monetizar o mesmo formato usado por TikTok e Meta para reter a atenção do público. O aumento da competição pela liderança entre as redes sociais significa que as duas empresas estão menos dispostas a compartilhar receitas desses vídeos curtos com veículos de mídia. 

Por mais que o BuzzFeed ainda produza short videos e venda – cada vez menos – diretamente a anunciantes, Peretti torce o nariz para este formato: ele relata que os usuários estão cansando do “comportamento de rolagem do tipo TDAH” e buscando um envolvimento mais profundo com mídias longas.

Ok, as mídias longas a que Peretti se refere estão longe de ser reportagens long form ou documentários intelectualizados. São, enfim, hot wings e tamagochis. Mas são produtos próprios e não dependem de empresas terceiras para rentabilizar. Isso explica a estratégia de focar em marcas individualizadas. 

“Nossa estratégia se baseava em reunir a maior rede de marcas e criar a maior rede de conteúdos para essas novas plataformas de distribuição, mas não se surpreendam em escutar-me dizendo que isso não funcionou como esperávamos”, reconheceu Peretti. “Em todas as nossas equipes centralizadas, teremos mais foco nas marcas e priorizaremos áreas que tornam cada marca única. A abordagem centrada na marca será fundamental para estabilizar nossos negócios e retomar o crescimento.”

Menos escala, mais marcas únicas

Para além de investir em jogos de IA e em vídeos longos, a aposta na unicidade das marcas do grupo passa pela reformulação do site BuzzFeed, chamada internamente como “Missão Possível”. O acesso direto à home tem sido um dèja vú interessante aos publishers de modo geral, e ao HuffPost de modo especial. A criação de Ariana Huffington quebrou recordes de tráfego direto em meados de 2023, registrando o melhor trimestre desde que foi adquirido pelo BuzzFeed, em fevereiro de 2021. 

A carência do BuzzFeed é tanta que a melhora pontual do HuffPost foi suficiente para posicioná-lo no rol de apostas de Peretti. Investir em notícias, no entanto, não “orna” com a estratégia de hot wings e tamagotchis. Há sete meses foi descontinuado o BuzzFeed News, braço jornalístico da marca de conteúdo viral. Nada menos que 15% do quadro de funcionários foram dispensados, ou seja, 180 colaboradores. No Brasil, a divisão noticiosa do BuzzFeed fechou em agosto de 2020, na esteira da crise no setor causada pela pandemia. Peretti faz um mea culpa e diz ter tomado a decisão de “investir demais” no BuzzFeed News porque “adorava o trabalho produzido”. Em seguida, agrega que “demorou a aceitar que as plataformas de mídia social não forneceriam o suporte necessário para tornar a área lucrativa”.

Não, senhor. As redes sociais não fornecem suporte para nada ser lucrativo além delas próprias. Qualquer coisa que digam diferente disso é questionável. Se Peretti diz ter demorado a aceitar essa realidade, difícil que haja quem ainda acredite nesse conto da carochinha.

Todo este movimento no BuzzFeed decorre de uma queda de 35% no faturamento em publicidade, apresentado aos investidores no começo de novembro. A dívida acumulada já supera os US$ 157 milhões no último semestre auditado. A crise vinha batendo à porta do veículo no primeiro trimestre, quando Peretti planejava alianças com creators para recuperar a audiência, além de prenunciar os bons resultados que a inteligência artificial traria. Com menos conteúdo e mais mecanismos de entretenimento, com nova publisher e novo CFO, apostando mais em si mesmo do que nas redes sociais, o veículo mais viral de todos os tempos luta pela sobrevivência. A quem assiste, como sempre, cabe aprender.

Ana Brambilla
Autor

Jornalista, Doutora em Comunicação Social. Editora Orbis Media Review. Professora e Pesquisadora do Master Negócios de Mídia.

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