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Vinicius Sgarbe

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Vinícius Sgarbe é jornalista formado pela PUCPR e analista transacional organizacional em certificação. Foi repórter multimídia da rádio CBN Curitiba e do portal G1 Paraná, do jornal O Globo e correspondente no Brasil para o Irã. Também atuou como TV fixer dos serviços persa e árabe de BBC de Londres, durante a Copa do Mundo de 2014. É co-fundador da produtora Outras Terras Filmes. Desenvolve projetos independentes de arte e de jornalismo.

Na tarde da última segunda-feira (4), três aplicativos de comunicação ficaram fora do ar em todo o mundo. Difícil que tenha passado despercebido a alguém. Facebook, Instagram e WhatsApp, que atingiram as marcas de segundo, terceiro e quarto lugares, respectivamente, dos mais baixados globalmente em abril deste ano[1], pararam repentinamente – e levaram cerca de sete horas para voltar a funcionar.

O noticiário trouxe – até mesmo na televisão – uma explicação técnica, e que representa uma parte do problema. Quando os repórteres escreveram ou falaram sobre o “DNS”, ofertaram ao público uma justificativa da engenharia para o apagão. Perguntamos se tal informação poderia efetivamente se juntar ao entendimento do indivíduo sobre o funcionamento da rede.

Embora a questão do “DNS”, do endereço digital, resuma, talvez precipitadamente, o motivo do problema, é pertinente que a imprensa discuta o aspecto da responsabilidade da big tech na vida rotineira. Em que medida os indivíduos e empresas passaram a depender de serviços digitais para as práticas de relacionamento pessoal e de negócios?

Algumas manchetes destacaram o declínio da fortuna de Mark Zuckerberg diante do problema com os acessos. Tal fortuna pode ser colocada à prova diante da intenção de pedidos de indenização. Para o advogado Kaique Yohan Kondraski Servo, entretanto, “seria difícil vencer sobre o Facebook, dada a condição de caso fortuito ou de força maior com o que se parece o defeito nas plataformas”.

Para alguns, ficar sem esses programas representou ficar “sem Internet”. Com a falha do Facebook, houve crescimento no número de reclamações contra as operadoras de telefonia e de conexão[2]. Há quem tenha mexido no roteador, para recobrar o acesso perdido.

Jardins murados

Em alguns planos de telefonia, o acesso a determinadas plataformas não é cobrado. Mesmo que o cliente não tenha créditos, ele pode continuar a navegar. É o “zero-rating”, que contribuiu para a ideia de “jardins murados”.

Para o pesquisador-responsável pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Democracia Digital (Compadd) da UFPR, Rafael Sampaio, “uma mudança começa a ser sentida a partir da Web 2.0, quando as plataformas passam a criar muros digitais. As pessoas passam a maior parte do tempo dentro dessas plataformas. Então, se aquela rede específica para de funcionar, a Internet como um todo também para, na experiência do usuário”.

Quais riscos essa percepção levanta? O quanto nós, da indústria da comunicação, contribuímos para que estes “jardins murados” se mantenham e, até, se fortaleçam?


[1] Dados da consultoria Sensor Tower.

[2] G1. “WhatsApp fora do ar: Anatel diz não ter sido notificada sobre problemas em operadoras e afirma monitorar situação”.

O processo de transformação digital se impôs às redações jornalísticas com mais força desde o início da pandemia. Gestores enfrentam mudanças empresariais junto ao desafio de noticiar um período político e sanitário singular.

A plataformização como estratégia de negócio, em substituição ao antigo pipeline, vinha sendo implementado, ainda que com outros nomes, desde a criação dos sites de notícias dos jornais e emissoras. Os publishers entenderam com razoável rapidez que as redes digitais populares tinham, do ponto de vista dos negócios, um comportamento parasita, e que não seria possível distribuir a partir delas. Além disso, o orçamento da publicidade mudou de tabela, em desfavor das publicações tradicionais. Isso levou a uma mudança significativa na maneira de oferecer conteúdo.

Quando chegou a Covid-19, no começo de 2020, as variáveis do fazer jornalismo oscilaram violentamente. A partir daí, além da necessidade de levar a audiência à condição de assinante, houve um chamado à resiliência das coisas próprias da reportagem. Máximas ao estilo “lugar de repórter é na rua”, que vinham perdendo força, tombam completamente. O desafio é manter o negócio, entregar uma cobertura com periodicidade, continuidade e plástica coerentes com os padrões da emissora, com praticamente tudo feito no home office dos jornalistas.

Em entrevista ao Orbis Media Review, a diretora de redação do grupo RPC, do Paraná, Luciana Marangoni, diz que “certamente é a cobertura mais desafiadora do jornalismo desde a invenção da televisão”. A rica discussão dos editores com repórteres em meio às baias da firma já não acontece. Aliás,as instalações estão isoladas e as equipes, divididas por cores, com contato físico restrito ao essencial do essencial, com trocas de turno marcadas pela assepsia de superfícies e equipamentos.

Redação familiar

Na vida digital, são estabelecidos contratos de convivência de muitas pontas ou, mais recentemente, discutem-se “campos de convivência”. A ideia passa pela permeabilidade das relações. “Já contamos histórias muito sensíveis, como a queda de um prédio em Guaratuba, ou os desmoronamentos e enchentes em Antonina e Morretes. Mas a Covid-19 tem a ver com nossas famílias, com riscos para a saúde de todos”, anota Luciana. Antes, o ofício de jornalista  bem que poderia ficar da porta do lar para fora, mas agora não.

A editora-chefe do jornal e do portal Bem Paraná, Josianne Ritz, sente falta do fuzuê da redação. “Estou bem adaptada. O que era ruim no começo não é mais. Eu me sinto segura. E, assim, não montei espaço especial, para manter o clima de fuzuê. Fico na sala, com todos”.

Nos veículos editados por Josianne, a produção aumentou desde as medidas de isolamento, resultado que também é consequência, para ela, do tempo de casa dos profissionais. “Eu temia que a parte do fechamento do impresso, por causa da diagramação, poderia complicar [pelo trabalho on-line]. Mas estamos fechando até mais cedo. O entrosamento é meio atípico, porque trabalhamos há muito tempo juntos. A maioria [está] há mais de 20 anos”, registra.

Questões da vida não deixaram de existir

O G1 Paraná foi a primeira extensão do portal da TV Globo em uma afiliada. Em fevereiro, fez aniversário de dez anos, com a marca de mais de um bilhão de pageviews. A editora-executiva Bibiana Dionísio, que está lá desde o primeiro dia de operação, organizou um escritório na sala de casa. “Entendi que a vida continua, que é preciso cuidar da alimentação, dos exercícios, da cabeça. Esta é a realidade do mundo agora, e o que eu posso fazer? Cuidar da minha família, trabalhar, claro, mas eu me matriculei em um curso de comunicação e marketing da USP, para aprender coisas novas”.

Segundo Bibiana, a necessidade por notícias cresceu por ocasião da praga, mas também porque o G1 ganhou relevância e protagonismo. “Todos os dias fazemos o exercício de eleger prioridades. Tal notícia é melhor que a outra? Quando decidimos por temas que fogem da tragédia, temos boa resposta da audiência. É um jeito de colaborar com outros aspectos da vida as pessoas”.

Quando a pandemia começou, a bebê de Bibiana, Luísa, tinha um ano e três meses. “A força vem de maneira esparsa. Tem semanas em que é possível imprimir um ritmo satisfatório, que as coisas andam mais leves. Mas há também momentos de esgotamento físico e emocional”. Luísa requer uma lista de acompanhamentos especializados, como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, “e isso é vivido junto com o trabalho, com as questões da família, da vida, que não deixaram de existir”.

Em um ano de medidas extremas, não houve um contágio sequer a partir da sede da RPC. 

Longe de ser simples ou fácil, a resiliência no exercício do jornalismo durante a pandemia tornou-se uma forma de sobrevivência.

Ainda nos anos 2010, o jornalista parnanguara Luiz Geraldo Mazza comentou em uma emissora de rádio, em Curitiba: “tem é pouca informação, precisa de mais”. Inteligente e descolado, ele faz noticiário desde os anos 50 – e está em pé feito uma araucária. Na ocasião, ele se referia a um tipo de reportagem que era substituível. Isto é, como uma descrição de repórter poderia ser melhor do que uma transmissão em vídeo, ao vivo?

As pedras do passeio público sabem que as câmeras de monitoramento e aquelas que são acopladas ao celular mudaram nossa maneira de consumir notícias, porque os vídeos dessas câmeras ilustram, recorrentemente, as capas dos sites e o horário nobre da televisão.

Integração tem a ver com relações interpessoais e um senso de abastecimento interior suficiente para atravessar momentos delicados.

Mas, nem tão depressa. Não se trata do fim da atividade como aconteceu com a cobrança pelo tíquete do estacionamento. O repórter desta década é ainda mais necessário do que foi na anterior, já que os sonhos de Mazza se concretizaram. Um dos desafios mais proeminentes é o de permanecer relevante para si mesmo, para os propósitos que o levaram a marcar na inscrição do vestibular: “Jornalismo”.

Um repórter multimídia não é necessariamente um repórter integrado. Uma redação multimídia não é sinônimo absoluto de redação integrada. Multimídia é gravar para o vídeo, escrever para o blog, fotografar com alguma qualidade. Integração tem a ver com relações interpessoais e um senso de abastecimento interior suficiente para atravessar momentos delicados.

Os três estados do ego

Nas primeiras páginas do livro “O que você diz depois de dizer olá?”, o psiquiatra Eric Berne apresenta três tipos do que chamou “estados do ego”. A gente tende a lembrar de teorias análogas, em busca de paralelos. Por outro lado, eu te convido, leitor, a ficar no “aqui e agora”, como uma maneira de colocar em prática o que a análise transacional (nome da principal teoria de Berne) propõe. Quando nos comunicamos a partir do “estado do ego adulto”, analisamos o ambiente objetivamente (enquanto nos estados “pai” e “criança” a cabeça está em referências passadas).

Longe de precisar de dez páginas de introdução, mais vinte sobre metodologia e trinta que ninguém mais quer ler, a análise transacional oferece uma abordagem para se aplicar imediatamente. É uma simplicidade sofisticada que serve de parâmetro para cada frase pronunciada por um repórter. É quando se pode colocar no espelho a velha prática de “separar o joio do trigo, e publicar o joio”. Ela serve ao ofício como um todo, como filosofia de vida indicada para jornalistas.

No mundo das lives e das redações competitivas, há também a delicada questão da pós-verdade. Chamo de delicada porque, de algum modo, a concepção dessa ideia é embaraçosa. É como se o renomado “jornalismo burguês”, chamado assim pela Escola de Frankfurt, perdesse o rebolado frente à comunicação de “rede”, em vez de “feixe”. E tal rede, como muitos de nós que interagimos sem nenhuma necessidade de um estímulo matriz, como uma manchete, por exemplo, está mais enfocada em como se sente em relação ao que consome do que com o grau de acuidade da apuração.

Onde fica o repórter

A academia de comunicação tem olhado para a questão da afetividade e chama de “troca dupla” a relação entre orientadores e pesquisadores. Mas isso são palavras de artigos, mais ou menos como bandanas no homem invisível. Uma potente e criativa tradição de sucessão sempre houve nas relações de aprendizagem – de um modo mais ou menos útil. Conta-se que no passado, ao estagiário que acabava de chegar à tevê, era pedido que fosse à emissora concorrente pedir uma “régua de colorbar” emprestada. Nunca vi isso acontecer de verdade, mas é um tipo de humilhação que, mesmo imaginada, faz parte do folclore corporativo.

Quando se sai da redação com uma ideia fixa de pauta, não existe relação com a fonte. Existe o risco da ficção, da superficialidade e, por que não, do mau-caratismo.

Com a profissão de jornalista a tiracolo, o indivíduo repórter tem as próprias transações potencializadas. É dele o relacionamento com o cliente do conteúdo patrocinado, com o editor com quem discutirá o que é ou não notícia, com o entrevistado. Neste ponto, leitor, é que a saúde intelectual e emocional do repórter tem a ver com aquele pessoal da rede do parágrafo acima que quer sentir as coisas e não colecioná-las.

Quando se sai da redação com uma ideia fixa de pauta, não existe relação com a fonte. Existe o risco da ficção, da superficialidade e, por que não, do mau-caratismo. Um repórter preparado para as tecnologias emergentes é, primeiro, consciente de si mesmo e da vocação que tem. Depois ele pode mexer no Instagram – e mostrar a diferença que faz um jornalista profissional .

Referências
BERNE, Eric. O que você diz depois de dizer olá?: a psicologia do destino. Tradução Rosa S. Krausz. São Paulo: Nobel, 1988.
FLUSSER, Vilém. Comunicologia: reflexões sobre o futuro. Tradução Tereza Maria Souza de Castro. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
MARTINO, Luis Mauro Sa; MARQUES, Angela Cristina Salgueiro. A afetividade do conhecimento na epistemologia. MATRIZes, v. 12, n. 2, p. 217-234, 2018.


As opiniões expressas neste artigo não correspondem, necessariamente, ao posicionamento do Orbis Media Review.