Por Eduardo Acquarone

A primeira onda do Covid-19 fez com que todos nos recolhêssemos e começássemos a testar, na prática, o que se discute teoricamente há anos: ensino à distância, home office. Ainda não há um consenso, mas parece provável que a nova sociedade que virá incorpore de maneira permanente alguns desses novos hábitos.

A mídia também passou por uma revolução em poucas semanas, especialmente em relação aos hábitos de consumo e ao nível de confiança: as audiências dos canais de TV, especialmente os de notícias, explodiram e houve um grande aumento de confiança nos media tradicionais frente às informações disponíveis em mídias sociais; ao mesmo tempo, pequenos jornais e sites locais, já pressionados pela diminuição da publicidade, talvez não resistam e desapareçam. 

Em termos de comunicação, precisamos lidar com um paradoxo que tem ficado cada vez mais claro: a tecnologia consegue preencher algumas funções, mas ainda necessitamos de contato humano, algo que nenhuma chamada via Skype ou Zoom consegue preencher

Você, transformado em interrogador, tem que decidir: essa pessoa deve entrar nos Estados Unidos ou não?

E, no caso específico do jornalismo, é preciso não perder a conexão com as pessoas, mesmo através de aparatos super tecnológicos. É nessa “linha estreita” que trabalham alguns artistas e produtores audiovisuais. As experiências já realizadas ainda têm pequena escala (de distribuição) e alto custo. Mas apontam um caminho altamente promissor.

A obra “Terminal 3”, de Asad J. Malik, simula a entrevista de um agente da imigração norte americana com viajantes muçulmanos.

Em “Terminal 3”, o diretor paquistanês Asad J. Malik coloca o público numa posição incomum. Ao colocar os óculos de realidade aumentada, a pessoa se torna um funcionário de imigração norte-americano, cuja função é permitir ou não a entrada de passageiros que embarcam em Abu Dhabi. 

Na experiência, a pessoa começa uma conversa com uma figura holográfica, quase fantasmagórica, que vai ganhando forma à medida que a conversa prossegue. Todos os hologramas da experiência são baseados em pessoas reais, portanto as respostas são também reais. E você, transformado em interrogador, tem que decidir: essa pessoa deve entrar nos Estados Unidos ou não?

O fato dos hologramas representarem viajantes muçulmanos é mais um fator que precisa ser levado em conta por quem faz a experiência. Ou isso não é relevante? A resposta está na mente de cada um, e isso já é uma mudança enorme em relação à mídia não-interativa e não-imersiva.

Talvez, essa nova empatia produza resultados como uma maior disposição para ouvir opiniões divergentes.

Um outro exemplo é a exibição “Take a Stand”, no Illinois Holocaust Museum. Desde 2017 o público do museu vai a um auditório e pode conversar — sim, conversar — com um dos 13 sobreviventes do Holocausto que foram captados em vídeo volumétrico (em 3D) e transformados em hologramas. 

A conversa acontece de forma natural. Alguém faz a pergunta em um microfone e o holograma (auxiliado por programas de Inteligência Artificial que entendem a pergunta e buscam instantaneamente a resposta adequada dentre horas e horas de gravação) responde.  Para o público, fica a impressão de uma conversa — não com uma máquina ou através de uma tela, mas sim com uma pessoa real, que apenas por um “detalhe” não está lá. A emoção é similar. 

“Terminal 3”, apresentado pela primeira vez no Festival de Tribeca nos Estados Unidos em 2018, ainda é uma experiência difícil de ser vista — é necessário uma sala cenográfica e equipamentos caros que precisam ser calibrados para que a ilusão da realidade aumentada funcione de maneira adequada. Diferentes versões de Take a Stand começaram a ser apresentadas em museus nos Estados Unidos e Europa. Em ambos os casos, a presença física é necessária, o que impede que experiências assim atinjam um número maior de pessoas. 

Mas em breve experiências parecidas poderão ser feitas dentro de casa. O novo iPad lançado pela Apple em março vem com um novo scanner Lidar, uma tecnologia que permite mapear o ambiente onde se está. A partir daí é possível inserir objetos digitais que interagem com esse ambiente. Alguns analistas acham que a tecnologia logo será incorporada também aos iPhones.

Os celulares, aliás, serão as principais ferramentas para as novas narrativas. Apps como The Enemy — onde você fica posicionado entre dois inimigos e ouve ambas as histórias — ou JFK Moonshot — feito para comemorar os 50 anos do homem na Lua e que mistura games com uma reprodução fiel, incluindo sons e movimentos, do lançamento da Apollo 11 — já mostram o potencial dessas novas formas de contar histórias.

Ao trazer a história para dentro de casa, ao usarmos nosso corpo para nos movimentarmos, ao nos sentirmos “dentro” da experiência, há uma possibilidade maior de entendimento — e, talvez, essa nova empatia produza resultados como uma maior disposição para ouvir opiniões divergentes. Talvez experiências assim possam começar a romper nossas bolhas digitais e comportamentais exacerbadas por algoritmos de redes sociais. Será o momento em que realidades — virtuais ou aumentadas — passam a ser apenas “reais”.


* Roteirista, diretor e criador de projetos digitais, o jornalista Eduardo Acquarone (eduacquarone@gmail.com) trabalha com inovação desde 2008, quando lançou o Globo Amazônia, projeto indicado ao Emmy Digital e que conseguiu mais de 55 milhões de protestos virtuais contra a destruição da floresta. Em 2015 estudou no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism em Nova York, onde fundou a Flying Content, empresa que mistura narrativa com tecnologia. Após trabalhar em empresas como CBS (EUA), Reuters, UOL e TV Globo, hoje Eduardo atua como consultor, além de fazer parte do grupo de pesquisas LabArteMídia (ECA/USP) e de estar na fase final de um doutorado no Iscte-IUL, em Lisboa, com a tese “Imerso na notícia: Como a Realidade Virtual pode ajudar o jornalismo a solucionar problemas reais“.

Eduardo Acquarone
Autor

Roteirista, diretor e criador de projetos digitais, o jornalista Eduardo Acquarone (eduacquarone@gmail.com) trabalha com inovação desde 2008, quando lançou o Globo Amazônia, projeto indicado ao Emmy Digital e que conseguiu mais de 55 milhões de protestos virtuais contra a destruição da floresta. Em 2015 estudou no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism em Nova York, onde fundou a Flying Content, empresa que mistura narrativa com tecnologia. Após trabalhar em empresas como CBS (EUA), Reuters, UOL e TV Globo, hoje Eduardo atua como consultor, além de fazer parte do grupo de pesquisas LabArteMídia (ECA/USP) e de estar na fase final de um doutorado no Iscte-IUL, em Lisboa, com a tese “Imerso na notícia: Como a Realidade Virtual pode ajudar o jornalismo a solucionar problemas reais“.

Escreva um comentário