Este conteúdo faz parte da entrevista com o jornalista espanhol Lluís Cucarella, diretor do Observatorio para la Transformación del Periodismo Local e diretor editorial do site Laboratorio de Periodismo, da Fundación Luca de Tena. Acompanhe outros tópicos desta entrevista.


Orbis Media Review – No relatório sobre jornalismo local você afirma que o veículo “deve ser parte das comunidades de interesse que já estão constituídas e servi-las”. Isso supõe que o jornalista esteja disposto a interagir individualmente com estas comunidades (conversar, mais do que produzir conteúdos atrás de sua tela). Como você avalia esta disponibilidade do jornalista em se aproximar do público e manter contato (ou convívio) permanente com as comunidades?

 Lluís Cucarella – Às vezes tenho a sensação de que estamos deixando passar uma oportunidade magnífica de fazer um jornalismo muito melhor. Não falo de qualidade, porque há muito talento em profissionais jovens e em vários jornalistas mais velhos, que foram afastados das redações por conta da crise no setor e que agora são mais necessários do que nunca em função de sua experiência. Falo daquilo que parece ser um esforço nosso em adaptar os novos métodos e ferramentas à nossa forma de ver as coisas como indústria – e não de nos adaptarmos às inúmeras possibilidades que a tecnologia, por exemplo, nos oferece.

Outro dia escutei uma entrevista que o Jeff Jarvis dava a uma emissora de TV da Catalunha e ele fez uma análise sobre como os pesquisadores, médicos e cientistas souberam se adaptar rapidamente ao novo mundo e demonstraram isso com a covid-19 – por outro lado, como os jornalistas seguiram errando. Jarvis dizia que era normal ver a comunidade de pesquisadores usar a Internet para compartilhar informação, publicar artigos sobre a covid-19 à velocidade da luz, usar o Twitter para fazer revisão entre pares enquanto o jornalismo seguia entre suas muralhas.

O jornalismo precisa formar parte de comunidades

Ainda que os objetivos da comunidade científica não sejam necessariamente os mesmos dos jornalistas, devem ser coincidentes. Este exemplo ilustra a necessidade de que o jornalismo rompa suas barreiras e forme parte da comunidade de uma forma mais decidida. Isso implica estar sempre presente, se colocar a serviço da comunidade com o que pode contribuir e no que as pessoas precisem; implica dar voz a muito mais pessoas, sobretudo nas comunidades que têm algo a dizer mas que nunca foram ouvidas; implica buscar soluções, gerar debates, ajudar. O jornalista deve estar junto dessas comunidades, nestes setores, para escutá-las, ajudá-las no que seja positivo, para ver o que elas necessitam e dar vida a seus anseios.

Me preocupa que o jornalismo siga no sentido contrário, à medida em que veículos de uma linha editorial ou de outra, com honrosas exceções que dignificam o jornalismo, estejam tratando de polarizar a opinião pública, de reduzir o campo de batalha entre “os meus e os outros”, “nós e eles”, para gerar uma adesão por proximidade ideológica mais do que pela qualidade dos conteúdos ou pela forma em que ajudam a população a expandir suas mentes ou a serem capazes de entender melhor o mundo que as rodeia. 

Me preocupa, logicamente, não apenas como jornalista, mas porque é um modelo que em algum momento se derrubará, assim como está caindo o modelo que se construiu ao redor das audiências massivas e do click-baiting. Para um jornalista, há poucas coisas mais tristes do que saber antecipadamente de que forma um veículo vai noticiar algo que tem diferentes interpretações ou lados, ou adivinhar como vai deformar um fato para que ele se encaixe em sua linha editorial.

Creio também que os governos deveriam apoiar mais o jornalismo local, se realmente querem uma sociedade diversa e plural, não apenas ideológica, mas territorialmente. No entanto, infelizmente, parece que em muitos casos os governantes estão satisfeitos com esta polarização que estamos vivendo. É mais fácil de controlar. Também acredito que este é um bom momento para que haja uma aproximação entre a imprensa local e a nacional, de mente mais aberta e que se llegue a acordos de, por exemplo, assinaturas conjuntas.



Acompanhe outros tópicos desta entrevista com Lluís Cucarella.

Ana Brambilla
Autor

Jornalista, Doutora em Comunicação Social. Editora Orbis Media Review. Professora e Pesquisadora do Master Negócios de Mídia.

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