Desde o lançamento da edição de 2022 do tradicional estudo Digital News Report, do Reuters Institute, no último dia 15 de junho, alguns setores da mídia brasileira têm comemorado o fato de o país registrar um índice de confiança nas notícias superior à média global. O percentual (48%) realmente é maior do que os 42% que representam a combinação dos 46 países investigados e isso deve ser destacado. Porém, é preciso olhar o contexto: o dado representa uma queda de confiança do brasileiro nas notícias.

A credibilidade medida no ano passado foi de 54% e isso representou um leve – e único – aumento de três pontos percentuais, impulsionado pela cobertura do início da pandemia, quando a população recorreu massivamente aos veículos profissionais em busca por informação confiável. Este fenômeno, aliás, foi percebido em veículos do mundo todo através do aumento pontual de tráfego nos sites e de audiência em canais de TV. Poucos meses depois, os números voltaram aos seus patamares anteriores, outros entraram em queda: era o fenômeno de news avoidance que se apresentava.

A história recente do índice de credibilidade no noticiário, aqui no Brasil, infelizmente, não é dos melhores. O Reuters Institute mensura esta confiança desde 2015, quando o jornalismo brasileiro representava um porto seguro de informações para  62% da população. No consolidado dos últimos sete anos, portanto, menos gente acredita no trabalho da imprensa e isso corresponde a uma queda de nada menos que 14 pontos percentuais [gráfico acima, reprodução do DNR22].

Neste ano, o Brasil não está sozinho, é claro, na perda de confiança pelo público. Nosso índice está acima da média global porque cerca da metade dos países pesquisados também registrou queda de credibilidade. Ou seja, a média global, em si, caiu; portanto, ficou mais fácil ficar acima dela. A imprensa dos Estados Unidos nunca teve um grau tão baixo de confiança desde 2015 e hoje ocupa o último lugar no ranking mundial, ao lado da Eslováquia, com 26%.

O Brasil está em nono lugar, atrás do Quênia, da Nigéria, da África do Sul, por exemplo [gráfico ao lado]. Isso abre margem para repensarmos o quanto veículos como o New York Times realmente devem ser considerados como exemplos a serem seguidos na formulação de estratégias editoriais e de modelos de negócio. Cabe lembrar, também, que o NYT antecipou o alcance da meta de 10 milhões de assinantes, projetada para 2025, ao comprar o veículo The Athletic e a plataforma de jogos Wordle e, com eles, suas respectivas carteiras de clientes.

Brasileiro é o povo que mais evita notícias

De volta ao Brasil, o Reuters Institute traz outro dado ainda mais preocupante no Digital News Report deste ano: somos o país que mais evita, deliberadamente, o consumo de notícias.

news avoidance é um comportamento que o estudo mapeia desde 2017 e identifica pessoas que decidem ignorar jornalismo. Naquela ocasião, apenas 17% dos brasileiros confessavam evitar ler, assistir ou ouvir conteúdo noticioso. Em 2019, este número já havia subido para 34% e também era superior à média global, então de 32%. Já neste ano, a quantidade de pessoas que evita ativamente o noticiário disparou para 54% – o maior índice global.

A diferença do dado de news avoidance entre o Brasil e o segundo lugar – Reino Unido – é de oito pontos percentuais, uma das maiores de todo o ranking. A situação fica ainda mais grave se compararmos nossos 54% com a média global, que é de 38% neste ano [gráfico a seguir].

brasil jornalismo audiências news avoidanceJá são cinco anos que os números nos alertam para a diminuição intencional no consumo de jornalismo. Segundo o relatório, há mais brasileiros desinteressados em notícias do que dispostos a acompanhar o trabalho dos veículos. Em paralelo, os modelos de geração de receita nunca apontaram com tanta força para o reader revenue (assinatura, membership, micropagamento, doação). Qual estratégia teremos que adotar para reconquistar a atenção das audiências a ponto de torná-las dispostas a pagar pelo nosso trabalho?

Uma coisa é certa: continuar cegamente o que temos feito até hoje, efetivamente, não resolverá o problema – ao contrário, o número de news avoiders brasileiros continuará subindo.

O que afasta a população das notícias

O próprio relatório do Reuters Institute dá algumas pistas sobre o que afasta o público do jornalismo. Num olhar geral sobre a amostra, quase a metade daqueles que dizem fugir das notícias alega que está esgotada da cobertura política e sobre o Covid-19. É importante lembrar, no entanto, que os relatórios de 2017 e de 2019, quando 17% e 34% dos brasileiros já confessavam estar fartos de jornalismo, não havia pandemia. Isso nos obriga a olhar para o noticiário político, cuja proporção é esmagadoramente maior na agenda de boa parte dos veículos, em relação a qualquer outro tema.

Outra razão apontada pelo público é o impacto emocional negativo que as notícias causam (36%). Já discutimos este fenômeno no Orbis Media Review e ele sempre vem associado ao crescimento do jornalismo de soluções: um modelo de reportagem em que o veículo não se limita à denúncia do que está errado, mas busca, efetivamente, mostrar como o problema pode ser resolvido.

Outros 29% admitem que estão saturados de notícia. A resposta para este problema é foco recorrente dos programas do Master Negócios de Mídia, quando estudamos casos de veículos que diminuíram a quantidade de publicações e, com isso, aumentaram resultados de audiência, de satisfação e de conversão (os mais exemplares são The Guardian, Le Monde e The Information).

Para um grupo de usuários mais jovens (até 35 anos), as notícias são difíceis de entender. O Brasil ocupa o segundo lugar, no mesmo relatório, entre os países onde a geração Z tem dificuldades para interpretar o que dizemos. Eles representam 15% dos news avoiders e estamos apenas atrás da Austrália, onde 16% dos jovens acham os produtos jornalísticos complicados.

É hora de agir

Diante destes fatos, é inevitável recuperar algumas premissas compartilhadas ao longo das últimas décadas por redações do Brasil e do mundo, na intenção de fazermos um exercício honesto de autocrítica, para identificarmos caminhos que nos levem a reverter este cenário:

  1. O jornalista é um mediador social, que traduz a informação colhida nas fontes para grupos de múltiplos níveis culturais. Precisamos falar e escrever de modo correto e acessível, sem o uso de jargões ou de vocabulário próprio do universo de nossas fontes. Como anda nossa linguagem? 
  2. Existimos para explicar como as coisas funcionam, para mostrar à população como ela será impactada pelas decisões tomadas nas instâncias de poder. Quem realmente se interessa pelo que publicamos?
  3. Se assumimos um compromisso com a isonomia, maior ainda deve ser a relação de transparência que mantemos com nossas audiências. É isso que elas esperam de nós. Conseguimos deter nossas convicções pessoais, sobretudo ideológicas, no exercício do jornalismo?
  4. Queremos ser relevantes, impactar o dia das pessoas, tornar a vida delas melhor. Como esperamos que elas se sintam ao consumirem um conteúdo que produzimos?

As perguntas e provocações não param por aqui. O mais importante, no entanto, é estarmos cientes da necessidade da mudança. Para alguns, a transformação do jornalismo pode começar no âmbito individual. Como sugestão, deixamos o Teste de Humildade Intelectual para Jornalistas, adaptado pelo Orbis Media Review a partir da revista científica Journal of Personality Assessment.

Só conseguiremos fazer um jornalismo melhor com jornalistas melhores. E para sermos jornalistas melhores, é preciso que busquemos ser pessoas melhores.

 

Ana Brambilla
Autor

Jornalista, Doutora em Comunicação Social. Editora Orbis Media Review. Professora e Pesquisadora do Master Negócios de Mídia.

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